quinta-feira, 10 de março de 2011

Ho visto Guevara morto!

Esta é uma manchete histórica do vetusto jornal milanês Corriere della Sera e foi assinada pelo jornalista Alessandro Porro, então correspondente na América do Sul. Detalhe: foi escrita da sede da Editora Abril, na avenida Marginal do rio Tietê, em São Paulo-Capital.
Sandro escrevia como poucos. Descreveu com detalhes impressionantes a armadilha do exército boliviano, orientada por agentes da CIA, a morte e os fatos que se seguiram à execução do mais importante e mitológico guerrilheiro latino-americano.
A célebre foto de Guevara morto: Sandro escreveu da Marginal
Aliás, se alguém não viu, não pode deixar de ver as duas versões da história do Che, na verdade Ernesto Guevara La Serna, magnificamente interpretado por Benício del Toro. São dois filmes: o primeiro conta a participação dele na revolução cubana e o segundo, a fatídica campanha boliviana, que culminou com a sua morte.
Mas, de volta ao Sandro, recentemente temos experimentado alguma insegurança, na cobertura sobretudo dos eventos do Norte da África e do mundo árabe. O Estadão outro dia publicou matéria claramente apurada em um hotel de Trípoli, garantindo que a Força Aérea de Muammar Gaddafi não bombardearia as posições de seus adversários. No mesmo dia, a Folha mostrava o bombardeio e as bombas espocando junto aos pés do seu repórter.
Agora, o correspondente do Estadão em Paris está desaparecido, provavelmente prisioneiro dos soldados de Gaddafi. Ele tentou entrar no país por terra pela fronteira com a Tunísia. Deus protege as crianças, os bêbados e os repórteres. Com certeza ele está bem e daqui a pouco vai contar a história toda.
Pior é o atrapalhado da TV Brasil/EBC que promete escrever um livro sobre uma reportagem que ele não conseguiu fazer no Egito. Mas, não vou falar mais nisso.


O correspondente de  "O Estado de S.Paulo", Andrei Netto, está preso a oeste da capital líbia Trípoli, segundo o jornal.
Em nota publicada hoje, o jornal diz que a embaixada brasileira na Líbia está tomando providências para libertar o jornalista.
O jornal havia informado ontem (9) que um de seus jornalistas enviados para a cobertura dos confrontos na Líbia estava sem contato direto com a redação há uma semana.
Segundo informações recebidas pelo jornal, o repórter Andrei Netto teria sido preso  pelo governo líbio, junto com outro jornalista e um guia líbio, na região da cidade de Zawiya, palco de violentos confrontos entre opositores e forças de Muammar Gaddafi.


   
Uma coisa é certa, Andrei você é um baleeiro. Aconteça o que acontecer, você dignifica a profissão de repórter.
A maioria das pessoas desconhece o que acontece em uma redação, notadamente em um conflito armado. É quando os especialistas, os jornalistas cuja vivência maior é a redação, se sobrepõe aqueles que estão na linha de frente.
Um dos casos mais impressionantes aconteceu no mesmo episódio do assassinato de Guevara. Um repórter argentino que estava na Bolívia recebeu a informação passou a redação em Buenos Aires, mas o editor não acreditou e jogou a reportagem no lixo.
Desacorçoado o repórter mandou a mesma reportagem para a Gazeta de Antofagasta, que acabou sendo o primeiro jornal do planeta a publicar a morte do célebre guerrilheiro argentino.
Afundamento do Belgrano: mil marinheiros mortos
Pessoalmente, vivi uma experiência muito parecida, com um desfecho diferente. Depois de minhas andanças na Base da Marinha Argentina, em Baia Blanca, tive a informação do próprio comandante da arma, o almirante Juan Lombardo, de que os argentinos, durante a campanha das Malvinas, tinham finalmente conseguido o engate dos mísseis Exocet nos ultra-recentes aviões Super-Etandart.
Por que diabos o almirante Lombardo me deu esta informação? Não sei. Acho que ele queria impressionar os militares brasileiros. Ou foi com a minha cara. Sei lá.
Foi preciso uma boa meia garrafa de Jack Daniels para que eu conseguisse colocar todas as informações no papel, depois perfurar a fita, enviar por telex. Na redação, o editor da revista Istoé, Tão Gomes Pinto, queria uma capa. O editor de internacional, João Vitor Strauss, apoiado pelo correspondente em Londres, Fernando Pacheco Jordão, havia decidido que a minha informação não era crível.
Jornalista escolado, apaixonado pelos repórteres e pelas reportagens, o Tão decidiu peitar o staff da redação. Istoé saiu naquele sábado com uma revelação bombástica: os argentinos não só tinham os temíveis mísseis franceses, como estavam prestes a torná-los operacionais.
O Super Etandart da Marinha Argentina: engate do Exocet
A Sheffield em chamas: obra do impossível
A revelação levou os jornalistas do mundo inteiro a pressionar o Estado Maior Conjunto Argentino a confirmar a informação. Ninguém abriu o bico, o que me fez sorver a outra metade da garrafa de Jack Daniels. Ainda mais que no domingo, um submarino da Armada Real Britânica pôs a pique o encouraçado General Belgrano e levou a morte mais de mil marinheiros argentinos.
Na terça-feira, em represália, um Super Etandart decolou do velho porta aviões 25 de Mayo e detonou uma moderníssima fragata britânica de nome Sheffield. Um Exocet fez o serviço.
Deus me perdoe! Mas, foi a glória total.
Naquela tarde em Buenos Aires, cercado pelos colegas da imprensa internacional, na confeitaria El Reloj, brindei com todas as forças do meu pulmão:
- Ai putada. Hoje é meu dia. Ho visto Guevara morto!

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