sábado, 12 de março de 2011

Meus mestres e os desvios do destino

Tão Gomes Pinto

Uma das poucas vantagens de se chegar à barreira dos sessenta é poder refletir sobre a existência sem a ansiedade da juventude ou a perspectiva do futuro. Daí para a constatação de que construímos um personagem grotesco e até quixotesco é um pulo. Ainda mais quando o confronto para a modernidade apresenta um resultado desastroso. Definitivamente não consigo me entusiasmar com os valores do século XXI. Não me entusiasmam suas manifestações culturais, suas perspectivas políticas, seu pensamento contemporâneo. E o pior é que aos 20, até os 30, eu era um crítico contumaz daqueles que falavam em valores do passado. Vá lá, eu era um otimista. Hoje perto de atingir os 40 anos como profissional de jornalismo, não posso me permitir estes arroubos.
Poucos sabem que minha formação original é em Física e que eu nunca tive vocação ou aptidão para as letras e a comunicação. Devo a minha carreira a um negro de nome Olavo, faxineiro da redação de O Estado de S.Paulo, que me encontrou no desvio da praça D.José Gaspar, a divagar sobre o futuro e me levou um pouco incrédulo para o prédio da rua Major Quedinho, onde minha habilidade como datilógrafo e teletipista surpreendeu a um obscuro funcionário de nome Alaor Martins.
Foi então que o destino me reservou uma surpresa. Colocou-me sempre em contato com pessoas de bem, generosas, que me permitiram não só desenvolver minha carreira profissional, como compartilharam e deram luz aos meus arroubos e meus ideais.
Duas pessoas foram fundamentais Raul Martins Bastos e Edimilson Cardial. Raul soube o momento certo para me levar a reportagem. E Edimilson, na época redator da seção de turfe do jornal, nunca me negou uma palavra de confiança e partilhou comigo as minguadas oportunidades que surgiam.
Vou dar um salto e me reportar a uma manhã de janeiro de 1976, quando instado por um amigo saudoso, Attila Wenserski, desembarquei na velha rodoviária de São Paulo, com uma reportagem que descrevia o poder político do clã do major Ney Braga no Paraná. Minha ousada ambição era vender a reportagem para a então nova revista IstoÉ.
Confesso que meu ceticismo era grande e que achava mais apropriado levar a reportagem ao jornal Movimento, um hebdomadário engajado, muito próximo do que eu pensava, do que para uma revista mensal, burguesa, escrita por ex-jornalistas de Veja, lideradas pelo jornalista Mino Carta.
Que diabos um filho de cortiço, foragido da ditadura poderia querer naquela redação?
Mino Carta
Eram 10 horas quando eu cheguei ao prédio da avenida Paulista e me informaram que o pessoal da revista só chegaria as 11 horas. Fiquei sentado na escada. O andar estava fechado.
O primeiro a chegar foi Fernando Sandoval, um sujeito musculoso e grosseiro, que se limitou a me dizer que eu deveria esperar o Mino e sequer me ofereceu uma cadeira. Continuei na escada. O segundo a chegar foi o esbaforido gordo Sílvio Lancellotti, que pouca atenção me deu. Mas, que olhou nos meus olhos quase com um apelo:
- Por favor, não vá embora, espere o Mino chegar.
Eram mais de duas horas quando o poderoso Mino Carta chegou. Impressionou-me como ele pisava firme. Seguro. O Lança informou a ele que eu estava desde as primeiras horas da manhã na escada interessado em vender uma reportagem.  
- Peça para ele esperar o Tão – disse sem sequer dirigir-me o olhar.
Finalmente o Tão chegou. Tão Gomes Pinto, a mais translúcida pérola do jornalismo brasileiro. Repórter e editor sem par. Gênio absoluto de uma geração.
Uma hora mais tarde, com uma paciência invejável, o Tão lia a minha reportagem como se estivesse lendo um original de George Orwell. Fazia observações no texto com um lápis vermelho. Às vezes ria com vontade. Não raro triscava os dentes.
Lá pela metade, sorriu amigável com a minha ansiedade, e me ofereceu um cigarro.
Finalmente acabou de ler. Durou uma eternidade. Olhou-me nos olhos e sentenciou:
- Esta muito boa. Eu quero comprar a reportagem e o autor. Você não quer trabalhar conosco?
Silvio Lancellotti
Daquele momento em diante, a minha vida profissional e pessoal ficou atrelada ao Tão, ao Lança e ao Mino. Os três me ensinaram muito. Tiveram uma paciência descomunal com a minha teimosia, com os meus arroubos e com a minha ignorância.
Com eles aprendi que a arte de ensinar a fazer é nobre. E hoje um dos meus maiores orgulhos é de ter ensinado também, ainda que um pouquinho, e ajudado na formação das carreiras de seus filhos, Guilherme, do Tão, e Manuela, do Mino.
Quanto ao Lança, meu patrício siciliano e amigo querido, tive o privilégio de prefaciar um par de suas geniais obras literárias, de ser seu discípulo também nas panelas, parceiro na vida e na história.
Olavo, que já está no céu, Raul, Edimilson, Mino, Tão e Lancellotti obrigado por tudo. Vocês cunharam meu destino e fizeram de mim um veterano capaz de olhar para o passado com orgulho. Para o presente com segurança e para o futuro, ainda, com alguma esperança.   

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