domingo, 27 de março de 2011

O que os olhos não vêem o coração.......

Fim de caso: marido e ex-amante se juntam para investigar a vida de Sara



Quem não sofreu com as surpresas, com as revelações, com as descobertas, com aquilo que deve ficar escondido, que atire a primeira pedra.
Um dos romances que eu mais gosto de ler e reler e costumo propagandear para meus amigos é o célebre Fim de Caso, do genial escritor britânico Graham Greene, de cuja obra de resto sou notório apreciador.
Greene era um socialista católico e não esconde isso em nenhum momento de suas obras. Seus personagens são triturados pela culpa e a relação ética ou moral obedece sempre uma estrutura geométrica, muito característica dos cristãos de uma maneira geral. Isso não é uma crítica, por favor, é apenas uma constatação.
Em Fim de Caso, disponível também em versão cinematográfica, dirigida por Neil Jordan, o insólito sempre presente nas relações humanas ganha contornos reveladores. Estamos diante de um curioso triângulo amoroso, onde o amante descartado se junta ao marido com o objetivo de descobrir o que havia mudado na vida da mulher. A revelação é surpreendente, torna o relacionamento dos três transparente. Mas, ao final da história fica um gosto amargo, do tipo era melhor ter deixado tudo como estava.
Medium na cozinha: certas coisas é melhor deixar onde elas estão
Neste final de semana, assisti a uma cópia do filme Além da Vida, produzido e dirigido por Clint Eastwood e que, misteriosamente, passou como um raio pelo circuito comercial. Trata-se de um trabalho sensível, de uma dramaticidade comovente. Na verdade um inter-relacionamento de três histórias que acabam convergindo. Uma repórter francesa que sobrevive a um tsunami no Pacífico e ultrapassa os limites da vida e volta. Um menino inglês que não se conforma com a morte do irmão gêmeo e um médium americano que luta desesperadamente contra a Percepção Extra-Sensorial (PES) que lhe é latente.
Uma cena singela, entretanto, sintetiza todo o filme e salta como fogo para dentro dos corações da audiência. É quando, revelados os seus poderes, o médium tenta desesperadamente se livrar do assédio de uma colega de um curso de culinária italiana, que insiste em se comunicar com o além. A solidão é uma marca clara nos dois personagens. Ambos estão no apartamento dele, diante de um maço de aipos e de uma animada conversa que promete, ao final,  da refeição uma solução para a angústia de ambos.
Mas, ela tanto insiste, tanto insiste que ele concorda em estabelecer este contato:
- Tem um homem mais velho, parece ser o seu pai, e ele está pedindo desculpas pelo que fez quando você era criança.
A menina se desmonta em lágrimas. O jantar dança. O clima de romantismo e amizade se desfaz. Os dois terminam a cena em profunda angústia e solidão. O médium, interpretado com maestria impressionante por Matt Damon apenas sentencia:
- Há coisas que é melhor a gente deixar onde está sem revolver.
Cruise e Kidman, em De Olhos Bem Fechados: personagens que sobreviveram
Depois de ver o filme, madrugada alta, me assaltou a lembrança de outro filme. O último de Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados. Quem viu o filme, sabe que se trata de uma viagem arrepiante. Lá também a fagulha que irrompe em um incêndio é disparada pela personagem interpretada por Nicole Kidman, depois que ela e o marido, Tom Cruise, voltam de uma festa, onde se divertiram provocando apetites alheios, e se entregam a um cigarro de maconha.
Kidman e Cruise se divertem rememorando os desejos que provocaram, até que ela diz para o marido que, no passado, houve um marinheiro que ela apenas havia visto, não sabia o seu nome, nem quem era. Vira de relance. Mas, que se ele fizesse um único singelo sinal, ela largaria a vida confortável, o marido, o filho, tudo, e se entregaria para o cara.
Esta revelação deflagra a viagem de Cruise. Destrói completamente a sua segurança. Provoca uma gigantesca confusão mental nos personagens. Kubrick alivia no final, quando os dois conversam sobre o assunto:
- E o que nós vamos fazer agora? – diz ele.
- Vamos acabar com isso e vamos transar. Nós sobrevivemos, responde ela.
No filme de Eastwood, os três personagens também aparentemente sobrevivem. Na vida real, entretanto, nem sempre é assim. Os limites da individualidade existem para serem respeitados. Cada um de nós vive a sua experiência, atribui valores maiores ou menores de acordo com a sua própria realidade. Mexer nisso, ou querer estabelecer padrões diferentes de avaliação costuma gerar muita confusão.
Neste caso, o refrão popular é sábio: “O que os olhos não veem o coração não sente!”

Nenhum comentário:

Postar um comentário