sexta-feira, 4 de março de 2011

Os terráqueos me aborrecem

Quentin Tarantino: não entendo nada 
O pai do meu compadre, Laerte Rimoli, cunhou uma frase memorável no final da vida. Como ele andava acabrunhado, sem muito ânimo para nada, perguntaram para ele as razões. O velho coçou o queixo e saiu-se com essa:
- Os terráqueos me aborrecem.
Trata-se, sem dúvida, de uma afirmação transcendental. Filosófica e premonitória. Afinal, há que se concordar que nada mais atordoa um reles mortal terráqueo, do que outro reles mortal terráqueo.
Mas, há uma vertente ainda mais poderosa: quando um grupo destas criaturas decide se reunir em torno de uma idéia, torná-la absoluta, e exigir que todos passem a se comportar de acordo.
É um porre!
E pobre de quem se aventura contrariar o senso comum.
Por exemplo, conheço a obra de Monteiro Lobato, por inteiro, e aprecio muito. Considero um dos melhores trabalhos da literatura brasileira no século XX. Agora, se ele é racista, eugenista, ou o diabo, lamento dizer que nunca percebi, nem fui influenciado por isso.
Não gosto e não entendo Woody Allen e Quentin Tarantino. Respeito muito quem gosta, mas eu decididamente não compreendo. Falha minha, com certeza.
Hebe Camargo, Luciana Gimenez, Ana Maria Braga são criaturas, para mim, insuportáveis.
Novelas da TV Globo me agridem pela nulidade.
Woody Allen: neuroses judaicas e urbanas
O técnico Tite do Corinthians e suas citações de auto-ajuda, aparentemente elaboradas, beiram ao non-sense.
Pode existir algo mais chato do que uma partida de tênis, ou de vôlei, ou uma corrida da Formula Nascar?
Claro que pode. Desfile de escola de samba.
O desfile em si até que é tolerável. Mas quando os especialistas começam a mostrar as nuances de uma escola, o tal envolvimento da comunidade, torna-se rigorosamente insuportável. E falam com uma autoridade impressionante.
Outra coisa completamente insuportável: tomar uma cerveja com um ex-comunista convertido ao neoliberalismo.
Conheço uma pessoa que migrou do trotskismo ativo para o candomblé. Juro que na época limitei-me a dizer: “Por favor, não me explique. Eu não suportaria.”
Isso vale para uma centena de situações.
Ah! E tem os caipiras redundantes que soltam preciosidades do tipo:
- O melhor restaurante do mundo está na minha cidade, Pato Branco.
Ou esta pérola:
- O mais belo pôr-do-sol do planeta é no rio Guaíba.
Certa vez dediquei uma tarde de sábado a visitar uma colega, que passou o tempo todo tentando me seduzir para sua obsessão: o canto gregoriano.
Às vezes eu acho que atrás de todo terráqueo se esconde um grande pentelho. Eu, por exemplo, sou fumante contumaz, apreciador de westerns, de bons espíritos, de filmes japoneses e argentinos, de boa comida, de histórias da primeira e da segunda guerra. Revejo um bom filme uma centena de vezes e me emociono a cada vez. Gosto de óperas, de música sinfônica, de música de câmara, de um bom romance. Minha filha mais nova me considera um chato. E ela tem razão.
Certa vez, eu era então editor da revista Gourmet e preparava uma edição sobre gastronomia húngara. Fui jantar com um notório conhecedor em sua mansão em Interlagos. Depois de experimentar os acepipes e já reconfortado por goles e mais goles de Borosck Polinkol (um eau de vie de abricots), abre-se uma cortina da sala e surge a mulher do meu anfitrião, ladeada pelos dois filhos, que me surpreenderam com uma exibição de um sapateado ao som de Fred Astaire.
Outra situação inesquecível compartilhei com meu compadre Hélio Campos Mello na cidade de Orleans em Santa Catarina. Estávamos em um churrasco na casa de um alemão nazista, que era o gerente da mina de carvão da cidade, e fomos apresentados para um anão que, durante horas, para deleite de toda a audiência, contou histórias e mais histórias de escotismo.
Ritual de ocaso solar: o guru de Cabedelo com o sax na proa do bote
Há alguns anos, em João Pessoa, me arrastaram para um ritual de ocaso solar as margens do rio Cabedelo. Além da situação de imbecilidade contemplativa total, de repente me surge uma criatura de branco, de barba enorme, a bordo de um bote com um temível saxofone tenor, arranhando notas esquálidas do Bolero de Ravel.
Adoro Ravel, mas nunca poderia imaginar que um guru do meio das águas barrentas do rio Cabedelo poderia me aborrecer com as notas do Bolero. Mas, ele conseguiu. Como diz o grande Mino Carta, rompeu meu saco com ruído de lataria.
Bem! A não ser que alguém se disponha a migrar para um planeta aqui perto, não há como não conviver com os terráqueos. Há ainda ficcionistas como H.C.Wells que garantem que marcianos também são insuportáveis e venusianos são obcecados por limpeza. Ou seja, não há solução. A existência é mesmo um porre. Em sociedade, pior ainda.

    
   
  

Um comentário:

  1. E quando o terráqueo chega pra vc com uma coca-cola na mão, vestindo jeans e tentando te convencer que o imperialismo americano é o demônio e que a vitória do "socialismo" está na morte do capitalismo. E depois o tal "esquerdota" ainda sai cantarolando um rock and roll... :)) urgh

    ResponderExcluir