quinta-feira, 3 de março de 2011

O carnaval, as polacas e a caminhonete cromada

Vista da aprazivel cidade do Balneário Camboriu: carnaval iensquecível
Na véspera dos festejos momescos que empolgam uma parte da nação, cumpre aqui ressaltar uma reflexão:  nem todos os brasileiros gostam de carnaval. E decididamente nem todas as pessoas que vivem neste paraíso tropical se empolgam com o som dos tamborins ou o repicar das frigideiras. E, ainda que corra nas minhas veias uma gloriosa mistura ítalo-lusitana, nunca fui um entusiasta deste fenômeno que torna a sociedade tão permissiva durante três dias e totalmente penitente e reflexiva na manhã de quarta-feira.
Aliás, o carnaval é rigorosamente o liberou geral. Lembro-me de uma história maravilhosa, nos tempos em que me escondia em Curitiba. Lá se vão 35 anos. Pois meus vizinhos se constituíam no que podemos chamar de uma família rigorosa. O casal, acho que de poloneses, e três filhas lindíssimas, todas loiras, de olhos claros. Sempre elegantes. Charmosas e atraentes. Mas, de uma antipatia inacreditável.
Tão antipáticas que viravam o rosto se surpreendidas com um singelo bom dia.
E a coisa parecia de família pois aos domingos recebiam primos e primas. E todos tinham o hábito grotesco de virar o rosto ou de silenciar a qualquer sinal de simpatia. Passávamos fome naquele tempo, nós três rapazes idealistas com um sonho de futuro e de mudar a sociedade. Nos finais de semana, tínhamos também fome de convivência. A solidão era tremenda.
Pois nem as sobras do regabofe dominical sobravam por cima do muro. Uma tarde destas, o Etinho que já não aguentava mais o perfume da carne assando e o crepitar das brasas, decidiu pendurar-se no muro para pedir um pouco de comida. Deselegante, sem dúvida. Mas, a fome era tanta, que nós torcíamos por um gesto, um que fosse, de solidariedade.
O Etinho falava pendurado no muro e todos viravam os rostos constrangidos. Alguns se riam, mas as meninas sequer esboçavam qualquer movimento em suas faces rosadas.
Bem! Humilhação tem limite. Depois daquele vexame, nunca mais sequer olhamos para o nosso lado esquerdo.
Vieram as festas de fim de ano e pouco antes do carnaval, recebemos a visita do primo do Sílvio. Um projeto de agroboy que enriquecera junto com a família no nobre negócio de engordar porcos. Protótipo do caipira paranaense, novo rico, queria se exibir no novo apartamento em Balneário Camboriu.
E lá fomos nós a bordo de uma caminhonete F-100, com roda de magnésio e cromo para todo lado.  Na noite de domingo quando o tédio carnavalesco atingia um ponto quase insuportável, apareceu um louco com um trombone que começou a tocar velhas marchas na praia.
Nós, os três ogros foragidos, abrigados com humildade no meio de um grupo de classe média que se divertia com Máscara Negra e outros hits. Todo mundo foi se enturmando e nós sobrando na areia fria da praia escura.
Fomos resgatados por três anjos de cabelos dourados. Não sei se o Silvio e o Etinho se deram conta. Mas, eu só percebi na manhã de segunda-feira, quando descemos em busca de um pão com manteiga e uma média de café com leite. Eram elas. As irmãs polacas.
Foi um grande carnaval aquele, ainda que a gente pouco tenha sambado ou colocado a cara para fora do apartamento de nosso mecenas, que aliás só apareceu de volta na manhã de quarta-feira de Cinzas com a caminhonete cromada, a cara inchada de tudo o que se pode imaginar e uma certeza, ainda que o carnaval durasse o ano todo, ele dificilmente sairia do zero-a-zero.
Enquanto subíamos a serra com o motor da caminhonete gritando pelo esforço, ele lembrou-se de perguntar:  E ai? Divertiram-se. Leram muito?
- Lemos sim. Hagel!
Rimos muito, entre nós, até chegarmos  ao sobrado onde vivíamos e constatar que nada havia mudado. As polacas continuaram a nos ignorar solenemente. Quem sabe no próximo carnaval, que aliás nunca chegou. Até porque o agroboy desapareceu e nunca mais fomos para Balneário Camboriu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário