segunda-feira, 14 de março de 2011

Meu mestre e o túnel do tempo

Vieirinha: mestre querido e saudoso
Um dos meus mestres mais queridos, dos poucos que sobraram da minha experiência acadêmica, é o notável romancista, brilhante escritor e professor querido, José Geraldo Vieira.
Incrível ele era professor de cinema e foi ele que me apresentou ninguém menos do que Sergei Eisenstein.
Aliás, o Vieirinha era surdo como uma porta. Perdeu a audição no exercício de sua profissão: ele era médico radiologista. Nós tínhamos o hábito de escrever no quadro negro o tema que queríamos que ele abordasse naquelas aulas, que embora fossem programadas sempre para as noites de sexta-feira, das 19 e 30 até as 23 e 30, tinham audiência plena e dezenas de bicões.
Certa vez, tive a audácia de propor a ele um tema: a “belle epoque”!
Ele sorriu e começou a falar dos amigos que ele conhecera no período que viveu na Rive Gauche, em Paris, entre 1920 e 1935.
Vierinha conheceu Renoir, Claude e Jean. Conheceu Monet, Rodin, Picasso, Stravinsky, Nijinsky. Falava de Pigalle como uma colina sagrada. Nos considerava a todos um bando de estudantes pequeno-burgueses incapazes de entender o que éramos e para onde pretendíamos ir. Hoje, concordo com ele.
Um de seus temas preferidos era falar sobre Andrés Malraux, com quem ele convivera em um sótão de Paris, de Camille Claudel, que ele conheceu já internada, e do casal Frida Kahlo e Diego Rivera.
Li todos os livros do Vieirinha, dois me impressionaram demais: Ladeira da Memória e A Túnica e os Dados. Os dois talvez sejam encontrados ainda em algum sebo, quem sabe.
Ainda me lembro daquela aula que tive a petulância de propor. Ele explicou com uma proverbial facilidade que a “belle epoque” era um modo de vida. E que para destruí-lo foi preciso uma guerra, a primeira. Vieira dizia que uma das razões da agressão alemã a França, em 1914, foi a inveja de que Berlim, por mais atraente que fosse, jamais teria o charme e a beleza de Paris.
Não riam. Historiadores sérios concordam com ele.
Inspiração de Lautrec: Moulin Rouge
Na comparação com a virada do século XX para o século XXI, pode-se dizer que há um verdadeiro massacre. Toda a cultura ocidental que gravitava sobre a Paris daqueles anos nos deu o impressionismo, Debussy, Satie e Ravel; Zola e o naturalismo; se reescreveu o socialismo e o realismo. E nesse meio tempo, bebia-se absintho, cognac e champagne. O restaurante mais badalado do mundo era o Pré-Catalan, o Maxim’s e suas grisettes eram cultuados e o Moulin Rouge era o templo do Can Can, onde La Goulue inspirava Lautrec.
As vezes tinha a impressão que o Vieirinha podia me transportar pelo tempo. Adquiri o desejo de ter vivido na “belle epoque”. Quando voltei a Paris passei a ver o fantasma da cidade que ele descrevia, o frisson das novas idéias que surgiam pelas ruas como ventos frios a enregelar idéias conservadoras.
Infelizmente era apenas uma das não raras alucinações que freqüentam a minha cabeça e certamente freqüentavam a mente privilegiada do velho mestre.    

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