segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A execução perfeita


Este post é dedicado ao meu regente predileto, a doce maestrina Ligia Amadio, que neste momento dirige orquestras sinfônicas em Jerusalém.




Filarmônica de Berlim: abusou do direito de ser a melhor orquestra do mundo
Quem me conhece e conhece meu gosto musical sabe que neste quesito eu sou duro como uma rocha. Do tipo que escova os dentes com cândida e só se banha com sabão de coco. Culpa do meu tio Kiko e do meu primo Cláudio que me ensinaram a procurar sempre o melhor. Pois neste fim-de-semana chegou as minhas mãos o que pode se chamar de a execução perfeita: em termos técnicos e em termos de interpretação.
É claro que a música é um momento, uma feliz conjunção de leitura, compreensão e dissertação. Quando se trata de um conjunto musical com 140 músicos, mais maestro, ensaiador, copista, etc, o momento ideal é raro. Para não dizer raríssimo.
Mas, o que aconteceu nesta gravação ao vivo da 7ª. Sinfonia de Gustav Mahler, dirigida por Cláudio Abbado, à frente da Filarmônica de Berlim, transcende o racional.
Cláudio Abbado: rigor nos ensaios e clareza na leitura
A captação do som é perfeita, um dos problemas nas gravações mais antigas, a orquestra se revela toda perfeita, toda sonora. Ouve-se tudo como se os músicos estivessem na nossa sala. Abbado é, sem dúvida, um dos grandes maestros contemporâneos. Mas, se excedeu. Fez uma leitura perfeita, nem marcial nem pastoral demais, numa partitura dificílima. Deu ritmo, andamento e dinâmica perfeitos. É o que o Claudio me ensinou 40 anos e milhares de existências atrás, a virtude da fraseologia perfeita. O poder pictórico da escrita musical.
Gustav Mahler (1860-1911) era o que se chamaria hoje de uma alma perturbada. Nascido em uma família judia na Áustria, converteu-se ao cristianismo, foi rejeitado por ambos. Tinha horror ao pan-germanismo (ao contrário de Bruckner que era um entusiasta) tão em voga naquela época. Casou-se com outra alma perturbada, Alma, e jamais superou a perda das duas filhas, uma com sete e outra com nove anos.
Até hoje é considerado um dos mais completos regentes, tendo sido titular da Filarmônica de Viena por duas décadas, quando ela era considerada a maior e melhor orquestra do mundo.
Por ser um regente rigorosíssimo, capaz de liderar ensaios de mais de 12 horas, suas composições são de um rigor impressionante. Ele tira o máximo de cada um dos instrumentos e o efeito do conjunto é único. Mahler é Mahler. Não há nada antes dele, nem depois dele.
Gustav Mahler:gênio de alma perturbada
Sua obra se divide em nove sinfonias (mais uma inacabada). As cinco primeiras inspiradas em um ciclo de canções chamado Das Knaben Wunderhorn (A Trompa Mágica do Menino). As cinco últimas são as mais rebuscadas. Na primeira, quinta, sexta, sétima e nona ele usa apenas o aparato orquestral. Nas demais vale-se do concurso de coros, solistas vocais, ou os dois. A oitava, também chamada de Sinfonia dos Mil usa mais de 300 vozes, além de um conjunto orquestral de mais de 150 músicos. Na primeira parte trabalha sobre um hino Veni creator spirito. E no segundo, transcreve para a música a segunda parte do Fausto de Goethe.
Esta sétima sinfonia que Abbado rege tão bem é uma daquelas armadilhas tipicamente mahlerianas. Dois tempos gigantescos, o primeiro Adágio e Alegro Resoluto e o quinto, um Rondó, Allegro Ordinário. No meio, duas serenatas intermediadas por um Scherzo. Parece fácil, mas é aí que mora o perigo. Solos longuíssimos, expressivos silêncios, metais abafados. Como diria o tio Kiko, é música para ninguém botar defeito. Música, música, muita música. Cada detalhe é importante, cada nota, cada entonação.
Recomendo com entusiasmo para os iniciados e para quem quer se iniciar. Trata-se de uma gravação Deustche Grammophon, de 2002. Recentíssima portanto.
Em tempo: é bem verdade que a Filarmônica de Berlim desde há muito abusava do direito de ser a melhor orquestra do planeta. Se alguém tem ainda alguma dúvida, depois desta gravação, não terá mais.


  

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