quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Salvem a humanidade!

Cena importante do filme Obrigado por Fumar: o que é politicamente conveniente?
O que quer dizer um comportamento politicamente correto? Os idiotas da objetividade, como diria Nelson Rodrigues, imediatamente se apressarão em responder que se trata de um elenco de medidas e posturas contra causas impopulares, que atentam contra os direitos da maioria ou de determinada minoria, que contam com a simpatia dos formadores de opinião e dos veículos de comunicação. Estes preceitos, entretanto, não são pétreos, podem migrar, mudar, aprofundar ou tornar-se invisível, de acordo com o interesse comum. Leia-se um grupo de pessoas e interesses.
Nos anos 70, por exemplo, o consumo do café, o principal produto de exportação brasileiro, era considerado politicamente incorreto. O açúcar de cana, refinado, também.
Com a explosão das causas ecológicas, o clássico romance americano de Hermann Melville, Moby Dick, foi guindado a posição de politicamente incorreto. Afinal era preciso salvar as baleias.
Depois, passada a era de Marcelus Cassius Clay ou Mohammed Ali, foi a vez de se considerar o boxe um esporte maldito. E, neste espectro, Ernest Hemingway e Norman Mailer, verdadeiros ideólogos da sua prática, caíram em desgraça. O que dizer então de Joe Louis, Rock Marciano, Sugar Ray Leonard.
Surgiu então a indústria do aspartame e logo o politicamente correto passou a ser o consumo daquelas gotinhas. Não importa se o café arremata uma feijoada, açúcar branco passou a ser veneno.
Manteiga! Credo. Pode haver veneno maior? E dá-lhe margarina, de preferência light.
Mas, o grande papel de algoz da humanidade, já há 20 ou 30 anos, sem dúvida, é do tabaco. Pobre de quem tenha a petulância de acender um cigarro em público. Invariavelmente é execrado, sem nenhuma clemência. Afinal, o tabaco mata.
E mata mesmo. É responsável por uma série de doenças, da impotência às mais diversas formas de câncer. Pior, onera brutalmente o sistema público de saúde e obriga os governos impolutos, principalmente do terceiro mundo, a investir mais do que poderiam para compensar a tragédia provocada por hordas e hordas de fumantes inveterados que agonizam em leitos de hospitais públicos.
Um dos melhores filmes, críticos destes comportamentos politicamente corretos tem o sugestivo nome de Obrigado por Fumar. É uma produção barata, cinematograficamente sem novidades, a não ser pelo roteiro, que nestes tempos de efeitos especiais, tem o agravante supremo de ser bem escrito. E está disponível em livrarias e lojas especializadas.
Não se trata de um libelo a favor do tabaco. Na verdade, o que se discute, através da ação de um bem humorado lobista americano, é a estranha compulsão de se implantar normas de comportamento à sociedade, como se fôssemos todos imbecis, sem nenhuma capacidade de entendimento.
O tabaco mata. Mas, o colesterol mata mais. Nem por isso há uma caveira na entrada das diversas lanchonetes McDonalds espalhadas pelo planeta. Ou a foto de uma criança obesa, hospitalizada, na embalagem de um Big Mac.
O filme é mais do que uma polêmica sobre comportamentos corretos ou incorretos. E leva a algumas reflexões. Ainda outro dia encontrei um amigo de velhas batalhas na trincheira de democracia e, por um instante descobri-me chocado ante a revelação de que ele emprestava sua força de trabalho para um notável senador do PFL. Ex-esbirro da ditadura.
Mais surpreso ainda fiquei quando o colega desatou a entoar loas ao comportamento de seu assessorado como se ele falasse de Winston Churchill. Ante a minha incredulidade, ele me fuzilou: “Olha, tenho duas ex-mulheres e quatro filhos adolescentes. Tenho pensão para pagar todos os meses e ainda preciso me sustentar. Preciso muito acreditar na competência do senador”.
O lobista da indústria do tabaco, em Obrigado por Fumar é mais feliz na justificativa das razões pela qual defende a indústria do tabaco: “Tenho uma hipoteca para pagar”.
Luisa Altenhoffen: ninguem vendeu tanta cerveja
Ainda recentemente o Congresso Nacional e o Ministério da Saúde envolveram-se em uma discussão sobre a propaganda da cerveja. Afinal, se tabaco não pode, álcool também não pode. Pode existir alguma coisa mais politicamente incorreta do que passar a idéia de que ao abrir uma lata de Skol, você pode se deliciar com os atributos físicos de uma Luísa Altenhoffen?
Alguém regiamente pago pela indústria da cerveja conseguiu convencer nossos vetustos parlamentares de que seria suficiente indicar a moderação no consumo para que todos pudessem colocar a cabeça no travesseiro. Não explicaram se no consumo da dita cerveja ou nos atributos da bela Luísa.
E, por falar nisso, o culto a estas senhoras de belas formas e cérebro de ameba, também não é um comportamento politicamente incorreto? O que fazer então com as revistas masculinas e/ou femininas? Ora, se um convite para um almoço pode ser considerado uma forma de assédio sexual...
Li num jornal popular de São Paulo há algum tempo que um cidadão, morador da periferia da cidade, desempregado há muito, decidiu pescar em uma lagoa razoavelmente próxima a sua casa. Mal sabia ele que rompia o resguardo de um criadouro de tilápias. Foi preso. A mulher desesperada no périplo para localizá-lo, acabou assaltada. O assaltante também foi preso. O pescador ficou detido por crime inafiançável, o assaltante foi solto e espera o julgamento na rua.
Salvem as tilápias!
Esta eu li em um anuário ecológico europeu. Uma ONG preocupada com uma tribo do coração da África, que ocupava uma floresta tropical há dois mil anos, decidiu introduzir o consumo do gás engarrafado como forma de preservar a madeira nativa que servia de fonte de energia para aqueles pobres coitados. Em seis meses, o grupo se dispersou, em busca de outra floresta e acabou dizimado pela guerra civil entre hutus e tutsis.
O cinismo de Obrigado por Fumar nos remete, sem dúvida, a uma série de contradições na postura politicamente correta de uma sociedade pós-moderna que se alimenta de penduricalhos. Faz pensar seriamente na hipoteca que todos temos que pagar, mas não justifica que sejamos todos tratados como uma matilha de cães a uivar sem nenhuma razão para isso.

   

Um comentário:

  1. Otimo post.
    E otimo filme, tambem. Jah assisti mais de uma vez e cada vez gosto mais. Em parte, certamente, por causa do excesso de hipocrisia destilado na ultima eleição.
    O filme eh um manifesto Ati-Hipocrisia.
    E Anti-Cheddar, um detestavel queijo do adoravel Estado de Vermont.

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