segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Morte a Moby Dick!

Moby Dick, a baleia branca: o homem em busca de seu próprio destino

A primeira vez que eu li o romance Moby Dick, clássico da literatura norte-americana de Herman Melville, eu tinha uns 15 anos. Fiquei fascinado. A história de Ishmael e de Queequeg, o Pequod e seus três imediatos, o capitão Ahab e a sua obsessão pela baleia branca. O final trágico, a morte de todos e o caixão que serviu para apenas um sobrevivente, que afinal nos conta a história.
Naquele tempo não existia o discurso politicamente correto, nem o Greenpace, nem Marina Silva e a saga dos baleeiros ao redor do mundo não era vista como uma mortandade ou um morticínio.
Herman Melville: um clássico incorreto
Ainda não tinha me livrado do impacto que aquele livro de páginas amarelas e letras miúdas havia me provocado quando tive a felicidade de ver a versão cinematográfica de Moby Dick, pela leitura competente de um dos diretores americanos que, eu nem suspeitava naquela época, iria me marcar profundamente. Ao longo de sua obra anterior e posterior eu iria me identificar com a sua linguagem. John Huston iria se tornar o meu diretor predileto. Mas, naquela noite de uma terça-feira chuvosa na frente do cine Roma, na avenida Alcântara Machado, eu não tinha como saber disso.  Como também não sabia que a saga do Pequod, o baleeiro administrado por quakers, de propriedade de viúvas e órfãos do mar, também marcaria para sempre a minha vida.
Recentemente uma colega chegou a torcer o nariz para o filme. Não reconheceu nem a genial construção do sermão na igreja de New Bedford, onde um Orson Welles rigorosamente tomado,  transforma-se no pastor de marinheiros que conta a lenda de Jonas, com uma força interpretativa absolutamente genial. Huston cria um ambiente tremendo, onde o púlpito tem a forma da proa de um navio.
Teatral? Sem dúvida. Mas, absolutamente genial, uma das maiores sequências da história do cinema.
Welles como o pastor: genialidade de Huston
O Ahab de Huston era muito próximo da forma que eu imaginava. Um homem com um corpo e uma alma mutilados. A prótese branca de osso de baleia na perna esquerda e a obsessão da vingança. Inacreditável imaginar Gregory Peck neste papel.
O personagem mais inquietante da história, entretanto, é o primeiro imediato, Starbuck. Racional e temente a Deus, ele enxerga o pecado e a afronta a Deus na obsessão pela vingança de Ahab. Mas, quando o capitão enlouquecido se lança contra a baleia branca e sucumbe amarrado a ela, é ele que se dirige a um bando perplexo e apavorado de baleeiros e grita:
- Morte a Moby Dick!
Porque ele. Logo ele. Barreira racional a vingança de Ahab, agora incitava os companheiros a perseguir e caçar a baleia branca?
- Moby Dick é apenas uma baleia. Uma gigantesca baleia branca. Mas, uma baleia. E nós somos baleeiros e vivemos para caçar baleias.
O mar agitado ao largo de Madagascar serve de túmulo para os baleeiros e para o Pequod, que sucumbe a um redemoinho provocado pela baleia e naufraga.
 Ahab:morte à baleia que mutilara o seu corpo e sua alma
Esta determinação de Starbuck e o desfecho da história constituíram-se em um dos principais dilemas a animar a minha juventude e boa parte da minha vida adulta. Afinal, era apenas um grupo de baleeiros que cumpria seu destino inexorável de perseguir e tentar caçar uma baleia e desaparecia nesta tentativa.
Hoje, 50 anos depois, eu me descubro embarcado no Pequod. Descubro que sempre estive em busca da baleia branca. As vezes me sinto Starbuck, outras tantas me sinto como Ishmael, ou como Queeqeg, que manda o marceneiro do navio construir o caixão que servirá de salva vida para Ishmael.  
Talvez eu seja mesmo Ahab, o obcecado. O capitão ensandecido. E talvez as costas de Madagascar estejam mais próximas do que eu imagine.
Será que estou preparado para enfrentar a minha baleia branca? Será que enfim a perseguição chegará ao fim?
Enquanto isso, o Pequod seguirá navegando. Posso não  ser o seu capitão. E provavelmente não sou, mas certamente estou embarcado e conheço bem a tripulação que viaja comigo.

5 comentários:

  1. Sempre gostei das histórias de vingança. Tem algo sobre a catarse da vingança com a qual me identifico e encontro tremendo conforto.
    Todos temos as nossas baleias brancas, pai. As vezes elas levaram nossa perna, as vezes é uma pessoa que teima em nos humilhar em público, pode ser uma pessoa que está tentando nos ferir... enfim. É bom, pelo menos, conhecer a tripulação que embarca conosco quando buscamos vingança. Pessoas que nos ajudem a ver até que ponto vale a pena ir, e quando é hora de voltar.

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  4. Eu sabia que não era só uma "viagem" minha o completo arrebatamento que vivi ao ver a sequência do sermão na igreja de New Bedford!

    Que grandiosidade, que poder dessa cena... A fotografia, a luz, o ângulo da filmagem mostrando a proa do navio servindo de púlpito, pontuda, e, no alto, a figura impressionante do pastor, íntegra, incorruptível, de barba também pontuda e contundente -- tudo para preparar o final arrebatador do sermão, interpretado de forma absurdamente tocante pelo não menos "absurdo" Orson Welles: a total entrega a Deus!

    Por outro lado, tão impressionante como a do Pastor, a assombrosa figura do capitão Ahab -- este totalmente entregue ao que se tornou a razão da sua existência. Mesmo com a alma mutilada, como você bem o disse, e totalmente tomada pelo ódio, ele preserva (ou adquire...) o que é próprio dos homens que lutam, que às vezes chamamos de perseverança e, outras, de obstinação...

    O capitão Ahab não teve dificuldades p/ encontrar o seu grande Oponente. Nem sei se tenho a coragem de dizer que espero que encontremos o nosso...

    Abraço.
    Christos

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  5. É uma história com uma grande reflexão. Moby Dick é épica, uma história que ilustra grandes cenas, preocupações filosóficas e dualidade que encontra-se em todas as criaturas. A história da grande baleia branca, é um magnífico dramatização do espírito humano em um cenário de natureza primitiva. Actualmente encontro-me ler este clássico, tomar algumas páginas e ele realmente está me cativar. Eu só vi o filme No Coração do Mar do Ron Howard é, e é um espetáculo visual bastante interessante que recebe cenas específicas com força suficiente. Uma grande história, grandes performances, grandes efeitos especiais e cenas de ação enérgicos, mas talvez o script é um pouco dispersos querendo cobrir muitos tópicos, a mensagem final não deixa de ser claro e não consegue mover como deveria.

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