domingo, 21 de novembro de 2010

A cara do novo cinema argentino

Ricardo Darín: a expressão bem sucedida de um cinema eficiente
Em um fim de semana em que a imprensa nacional revela mais uma vez a sua incapacidade de ser proativa, reflexiva  e interpretativa, a entrevista do ator argentino Ricardo Darín ao repórter André Miranda, publicada em O Globo deste domingo, 21 de novembro, é um alento.
Darín não é um ator nos padrões de um Charles Laughton ou um Toshiro Mifune. Está naquela galeria de gênios capazes de emprestar sempre a mesma personalidade, a sua, aos personagens que interpreta. E o faz com imenso talento. Nesta entrevista, a parte mais emocionante é a resposta a pergunta Mas, não existe uma fórmula para que um filme seja atraente?
“Nós precisamos compreender nossas realidades.  As realidades da América Latina não são as mesmas da Europa ou dos Estados Unidos ou da Ásia ou da África. Temos uma identidade própria, que geralmente está relacionada a um grande drama do passado na História dos nossos povos, a uma dor acumulada por tantas injustiças. E a única forma de enfrentar este acúmulo de coisas é com o humor. Não falo sobre o humor de se fazer graça ou comédia. É um humor que surge de dentro de nossa cultura, de nossa ironia, de como nós rimos dos nossos próprios problemas. Foi importante que nossas cinematografias passassem décadas enfatizando os temas sociais de maneira séria, mas isso também acabou afastando muita gente das salas de cinema. As pessoas acabaram preferindo um cinema de efeitos especiais, sem conteúdo, um cinema que lhes era atraente porque não lhes fazia sair das salas com um peso nas costas. O diretor deve abordar temas sérios, mas precisa relaxar e deixar que esse tema flua com naturalidade, sem peso. E com humor.”
Perfeito. Darín conseguiu em poucas linhas explicitar a fórmula que tem feito o sucesso do cinema argentino: barato, bem escrito e bem interpretado.
O sucesso do atual cinema argentino começa com um inquietante filme de Fabian Bielinsky chamado Nueve Reinas. Na verdade, uma versão argentina para o clássico Golpe de Mestre, onde Darín interpreta um malandro, tão malandro, que acaba vítima da sua própria malandragem.
Mas, se é verdade que todo grande ator representa o alterego de um grande diretor, vide Mastroianni e Fellini, Mifune e Kurosawa, Brando e Coppola, Darín encontrou o seu espelho no talento impressionante de Juan Jose Campanella.
Quem viu Luar em Avellaneda sabe que Darín está interpretando Campanella. E ali está a essência do que os argentinos queriam dizer ao mundo. A cena da seleção do perfume é completamente emblemática. Sim, é possível rir da tragédia humana, ou pelo menos rir da reação que temos a esta tragédia.
Em O Filho da Noiva este estilo se torna ainda mais efetivo. O argumento é próprio de uma novela mexicana. Uma avó, um papel magistral de Norma Aleandro, sofre de Alzheimer e está internada em um asilo. O avo, vivido por Hector Alterio, um ateu convicto, vive o drama de consciência de não ter realizado o sonho da amada, de casar na igreja. O filho único, herdeiro de um restaurante decadente, travestido de tio Sukita, vive o dilema: usar ou não usar queijo mascarpone na produção de um tiramissu. De quebra tem um enfarte cardíaco e vive as voltas com o sonho de viver no México, porque seu herói infantil era o Zorro.
Darin me traz a lembrança Alberto Sordi ou Vitorio Gassman quando o cinema italiano transitava do neo-realismo para uma forma curiosa de fazer os italianos rirem dos seus problemas e partirem, ao seu estilo, para construir uma sociedade moderna e economicamente sólida.
Darin e Solledad:  irreverência em um filme noir
E no premiado O segredo dos seus olhos, uma mistura de film noir com trailer de aventura, Campanella aposta no talento e na irreverência de todos os seus atores, com destaque para Soledad Villamil. Darín na entrevista de O Globo ressalta que, provavelmente, foi o humor que contagiou a Academia e lhe convenceu a conferir o Oscar de filme estrangeiro em uma disputa acirradíssima. Realmente todos os filmes concorrentes eram muito bons.
Ainda me lembro quando liguei para meu amigo Gustavo Iaies para cumprimenta-lo pelo Oscar. E ele no melhor estilo portenho me respondeu: “Como este tenemos centenas”.
Impagável. Se for verdade mesmo que os argentinos aprenderam a rir da própria arrogância, estarão dando um passo seguro para o futuro. Não se levar a sério é um bom começo. Com certeza.

Um comentário:

  1. Excelente, Nunzio, Excelente!.
    Nunca eh demais reverenciar Juan Jose Campanella e Ricardo Darin. Entre os melhores do mundo na atualidade. Gigantescos.
    Que grande (e linda...) atriz eh Soledad Villamil.

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