terça-feira, 9 de novembro de 2010

E Deus apareceu em Boston

Diego Armando Maradona: Deus contra a Grécia no Foxboro Stadium, em Boston
Conheci Diego Maradona no Japão em dezembro de 1978. Era um menino franzino de pernas grossas, que jogava com desenvoltura na seleção under 21 da Argentina com uma perna esquerda impressionante.
Quando voltei, comentei com colegas e amigos que Mario Kempes logo, logo, iria abrir mão da camisa 10 daquela seleção. Não posso esconder que muita gente tirou uma da minha cara. Ainda mais porque havia um ressentimento muito grande com o campeonato mundial daquele ano, vencido pelos hermanos no Monumental de Nuñez.
Não se pode cobrar dos colegas lembranças de momentos passados em um bar. Mas, o grande – se não o maior – repórter Osmar de Freitas Júnior, muitos anos depois lembrou: “Bem que você avisou que o menino era fera. E nós, imbecis, preferimos rir da sua profecia”.
Claro que nem sempre eu acertei minhas profecias. Mas, aquela tinha um componente diferente. Diego Armando Maradona era o anjo do arrabal, o pibe de ouro, tinha um brilho especial nos olhos, um controle de bola e uma visão de jogo que eu jamais havia visto.
Antes que alguém me pergunte se ele era melhor que Pelé, já respondo: Não era e não se compara. Seria o mesmo que perguntar quem era melhor, Picasso ou Modigliani?
Maradona saiu do Argentino Júniors, foi para o Napoli, e de lá para o topo. Vice em Milão em 1990, campeão em 1986, no México, à frente de uma seleção medíocre, e assim por diante.
Encontrei com ele em Recife no dia 23 de março de 1994, despedida das duas seleções que iniciavam preparativos para a Copa do Mundo nos Estados Unidos. Conversei longamente com ele no Mar Hotel e fiquei assustado. Ele estava enorme de gordo. Inchado mesmo. Seus olhos já não brilhavam.
- Te prometo que nos Estados Unidos vou estar pronto. Devo isso as minhas filhas – foi o que ele me disse quando nos despedimos antes do jogo.
Contra o no Mundão do Arruda, Maradona ficou no banco, com a camisa de fora para não mostrar o quanto estava decaído.
Em julho, depois de assustir a insuportável abertura da Copa, no Soldier Field, em Chicago, tomei um avião e fui para Boston para ver Argentina e Grécia. Com muita, mas muita dificuldade consegui entrar na concentração da seleção argentina e encontrei um Maradona magro, olhos brilhantes, que me recebeu com um abraço carinhoso e se despediu com uma promessa: “Vou arrebentar!”
Era o mesmo Maradona de Tóquio. Passeava no campo. Deixava Caniggia e Batistuta na cara do gol. Levava a defesa grega ao desespero.
Escrevi e o Tão publicou uma matéria entusiasmada na Istoé: “Deus existe!”
Dias depois, quando cheguei a Dallas, Ilia Júnior, âncora esportivo da TV Bandeirantes me contou no estúdio que havia um caso de dopping positivo. Ele escondia uma satisfação cruel e eu logo percebi que o sonho do Pibe iria se transformar em pesadelo.
Não deu outra. Nem sei se a pseudo-ephedrina é um poderoso estimulante como disseram. O próprio Maradona jurou que não sabia nada sobre isso. Mas, o sonho morreu ali, na mesma cidade onde JFK foi baleado.
Tinha certeza que Maradona não sobreviveria aqueles acontecimentos. Torci muito por ele. E acompanhei o noticiário do calvário em que sua vida se transformou: Diego era e continua sendo um menino que gostava muito de jogar bola. Nada mais. Pena que ele, como eu, pensava que era Deus e acabou no inferno como anjo caído.

Um comentário:

  1. Que bom que vc consegue achar tempo para escrever mesmo no meio de toda essa conturbacao.

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