segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Por que São Paulo é tão reacionário?

Vale do Anhangabau: festejos do IV Centenário de fundação da cidade

Esta é uma questão cruel que desafia a história e o bom senso. Por que a maior cidade da América Latina, com as maiores universidades brasileiras, certamente uma das mais importantes expressões culturais do continente, a mais cosmopolita das formações humanas, é tão conservadora?
Alguém dirá que a culpa é dos jesuítas, Manoel de Nóbrega e José de Anchieta, que fundaram o colégio em 1554. Nada a ver.
Ou dos bandeirantes que desde o século XVII se aventuraram pelo Interior do Brasil a escravizar índios e pilhar riquezas. Também não creio.
Ou ainda dos fazendeiros que desde o século XVIII acumularam riquezas à custa do trabalho escravo africano. Aí talvez esteja o gérmen de todo este reacionarismo.
Quando por uma dádiva de um amigo da família, o santo Olavo, faxineiro da redação de O Estado de S.Paulo, eu fui trabalhar no Estadão como recepcionista de noticiário, emprego conquistado pelos meus dotes como exímio datilógrafo e depois teletipista, não tinha nenhuma vontade de ser jornalista. Eu sonhava muito mais alto, queria trabalhar na indústria espacial. Ainda era marcante na mente de todos os feitos de Neil Armstrong e Buzz Aldridge.
Foi o desafio descompromissado de um superior, o professor Sebastião José Pena, então responsável técnico pelos telefones que me fez pegar nos brios. “É melhor você seguir outra carreira. Com o sobrenome que você tem, só se for trabalhar no Fanfulla”.
Alguns anos depois, ainda trabalhava no Estadão e fiz um concurso para redator de uma revista de criadores de cavalos de corrida no Jockey Club de São Paulo, então prestes a completar 100 anos. Passei em primeiro lugar e fui chamado pelo presidente João Adhemar de Almeida Prado para uma entrevista. Depois de muita conversa rigorosamente non sense, recebi a sentença com enorme perplexidade: “Você não será contratado. Preciso de alguém que tenha sobrenome”.
Isso me intimidou? Não. Mas, me revoltou bastante.
São Paulo recebeu os imigrantes italianos de braços abertos. Isso é apenas uma meia verdade. Acolheu sim no seu seio os peninsulares ricos como os Matarazzo, os Menotti Gambá e todos aqueles que possuíam posses. Aqueles que dependiam do trabalho e do improviso na vida eram chamados de porcos ou de carcamanos.
Aliás, esta designação carcamano, para quem não sabe, quer dizer ladrão. Referia-se aos comerciantes italianos do mercado público, que segundo os quatrocentões, “carcavam” a mão na balança para roubar os fregueses.
Não era fácil ser italiano nos anos 50 ou 60. A Itália era um monte de escombros. Alberto Sordi comia espagueti com as mãos. O neo-realismo de De Sica mostrava uma Itália que despertava. Mas, convenientemente, tudo era levado ao pé da letra.
Mas, nós peninsulares não éramos privilegiados pelo preconceito. Espanhóis, japoneses, nordestinos, todos estávamos no mesmo saco. Parece que São Paulo não se conformava com aqueles que trabalhavam e que, por isso, tinham que receber um salário justo. O problema era esse.
Preciso falar dos meus amigos que vieram do Oriente Médio. Todos eram chamados preconceituosamente de turcos, ainda que a geografia ensine que a Turquia fica na Europa. É claro que podemos nos conformar com a explicação que o Império Turco-Otomano tomou toda a região até a margem direita do Suez e que, portanto, os imigrantes chegaram aqui com documentos emitidos em Ancara.
Mas, não era só isso. Turco era sinônimo de oportunista, de safado, de caixeiro viajante. Ninguém queria saber se a família tinha origens na Síria secular, no Líbano, na Palestina, ou na Jordânia. Todos eram turcos e ponto.
São Paulo cresceu no século XX. Virou a cidade que mais cresce no mundo, fruto do trabalho do que Dante Alighieri chamava de “a gente nova”. Enriqueceu.
Veio a presunção e o absurdo. “São Paulo é uma locomotiva que puxa 21 vagões vazios”, em referência a federação. Reagiu à revolução de 30, quando percebeu que Getúlio Vargas iniciaria o processo de industrialização do país, do qual tanto se locupletaria. Imaginou que deporia o presidente em 32, no Catete, com a desculpa que lutava por uma constituição, mas na verdade queria de volta o poder para os fazendeiros paulistas.
Reagiu as leis trabalhistas, que proibiam crianças de trabalhar nas fábricas e nas fazendas. Reagiu à folga dominical, ao direito de férias, a previdência social. Pressionou e mandou soldados para a Itália, quando a guerra já estava decidida. Ficou inconformado com a vitória de Getúlio em 50, conspirou com Lacerda em 54, contra Juscelino, contra Jango. Apoiou o golpe de 64, com a célebre Marcha com Deus pela Liberdade.
São Paulo não tem jeito mesmo. Foram empresários de São Paulo que patrocinaram a Operação Bandeirante, que prendia, torturava, seqüestrava e matava. Onde surgiu o Esquadrão da Morte e a Rota 66.
Nada mais antipático que frases do tipo: porque nós em São Paulo fazemos isso ou fazemos aquilo. Como se por lá não existissem favelas, problemas na saúde, na educação, políticos corruptos e empresários corruptores.
Por mais que doa a elite paulista, São Paulo fica no Brasil. E não adianta repetir a exaustão o mantra da bandeira de 13 listas, o Brasil é maior que São Paulo, culturalmente mais rico, mais diverso, mais moderno.
Olhar o Brasil com a ótica de São Paulo é perverso. Como de resto em todo o país, os quatrocentões se esvaíram no próprio reacionarismo. Luis Inácio Lula da Silva é a prova cabal de que os rincões elitistas, que ainda persistem, são rigorosa minoria. Não há mais condições para que as elites assaltem o poder como em 64. Os trabalhadores de São Paulo sabem disso.
Tanto sabem que não negam seu trabalho e seu esforço por um país melhor, mais homogêneo, mais justo e democrático.

5 comentários:

  1. Boa Nunzio!!! Excelente Pensata.
    Como paulistano, orgulhoso de ter nascido neste lugar, concordo com Tudo que vc. escreveu. Alias, paulistanos, como vc. sabemos exatamente do que se trata, porque somos filhos de imigrantes, criados na Mooca, o mais paulistano de todos os bairros de São Paulo mas tivemos oportunidades de olhar aquilo de fora.
    São Paulo eh a cidade mais nordestina do Brasil.
    5.5 milhões de pessoas na região metropolitana.
    Apesar da elite quatrocentona, golpista e retrograda, que ontem comemorou 121 anos do seu primeiro e mais bem sucedido Golpe, não admitir, São Paulo eh Brasil.

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  2. Pois é, pai, São Paulo é Brasil. Mas não é conduzido, conduz. Isso já está escrito na nossa bandeira. É lamentável, sem dúvida que é triste viver cercada de gente preconceituosa e ignorante. A deplorável campanha da elite paulista suscitou debates e manifestações piores do que a "Marcha de Deus pela Liberdade", haja visto a repercussão da menina idiota do twitter que sugeriu que as pessoas afogassem nordestinos. Tem muita gente aqui que não pensa assim - me orgulho de ser uma delas -, mas parece que está cada vez mais difícil.

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  3. Encontrei seu texto sem querer, e gostei muito.

    Interessante ver como um texto emitido em outro contexto (2010) soa até visionário para um futuro próximo (2016), com exceção desta parte:

    " Não há mais condições para que as elites assaltem o poder como em 64. Os trabalhadores de São Paulo sabem disso."

    Não foi o que aconteceu no dia 17/04/2016.

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  4. Incrível, se este texto tivesse sido escrito agora, pareceria loucura.

    Governo interino, crise econômica, caos no SUS reajuste populista do bolsa família em plena recessão e São Paulo, mais uma vez carregando a nação a custa de seus impostos, que nunca retornarão.

    O que será desse país? E por quanto tempo seremos um país ainda?

    O futuro é sombrio, e não me arrisco a prever e errar drasticamente como o texto a cima.

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  5. Montoro, Quércia, Covas, Lembo, Serra, Goldman, todos ex-governadores filhos de imigrantes.

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