quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ainda a questão dos poderosos...

Diretas Já na Sé: qual é a verdade? Quantas pessoas estavam lá?
Não queria voltar ao assunto, mas houve certa insistência e vários pedidos de esclarecimentos, então vamos lá. Honestamente não vejo onde está a meia-verdade da crítica da minha amiga Mana Coelho. Acho que a posição dela não só valoriza o meu texto, como o complementa.
Casos relatados por ela apenas aguçam a relatividade do papel do jornalista. E a bem da verdade, vamos deixar claro que os “coleguinhas” estão longe de serem anjos. Alguém que alguma vez na vida tenha decidido colocar os pés em uma redação não pode imaginar que ganhará o paraíso.
Uma das minhas aulas do curso de Jornalismo Interpretativo, que uma década e toda uma existência atrás eu ministrava na FIAM, em São Paulo, começa com a seguinte observação: “Senhores, se vocês estão em busca da verdade, estão na sala errada. Isso é assunto da filosofia. Aqui vocês vão aprender a lidar com a versão da verdade”.
Esta afirmativa provocava um retumbante “ohhhhh!” emanado daquelas mentes joviais. Ora, parece tão óbvio que os jornais não são a expressão da verdade, que a discussão sobre o direito à informação ganha outro patamar de reflexão.
Por exemplo, o que diferencia grandes jornais como O Estadão e a Folha, O Globo e O Dia, ou o Jornal do Commercio e o Diário de Pernambuco?
Acredito que a apresentação tem alguma coisa a ver, mas decididamente o ato de assinar uma publicação ou se dirigir a uma banca para comprar um exemplar tem a ver com a identidade que o leitor estabelece mais com o seu conteúdo do que com a sua forma.
Meu irmão André, por exemplo, tem que acordar lendo o Estadão. Eu adoro a Folha, fico doente quando não leio. E leio inteirinha! E por quê? Porque o jornal da família Frias tem o poder de me provocar. De me desafiar. De me surpreender, para o bem e para o mal e de me informar, sem a pretensão de ser absoluta ou de falar com Deus.
Tenho respeito e admiração pelo Otávio Frias Filho. Trabalhei diretamente com ele. Tivemos nossas diferenças. Mas, nos respeitávamos. E eu respeito muito o que ele fez com a Folha. Só lamento ter desembarcado do projeto em um momento conturbado da minha vida, quando me faltou lucidez para entendê-lo.
Depois que eu me mudei para Brasília, passei a gostar muito de O Globo. Não é tão trepidante como a Folha, mas é um jornal honesto, muito atento ao seu leitor primário, que afinal tem o privilégio de viver na cidade do Rio de Janeiro.
Não gosto do Estadão, como nunca gostei do Jornal do Brasil. Mas adoro a Luciana Constantino, a Simone Iwaso, o Serginho Pompeu, entre outros colegas que trabalham lá. Decididamente não acho que eles representem o pensamento das elites rurais paulistas.
Agora, se alguém acha que os jornais publicam a verdade, acredita em Papai Noel, com renas e tudo e imagina que a Lapônia seja o centro do mundo.
Ainda me lembro de um episódio ilustrativo na redação da Folha, por conta da manifestação pelas Diretas Já na praça da Sé, em São Paulo. Havia a informação dos organizadores de que havia mais de um milhão de pessoas, a Polícia Militar calculava em 600 mil, o Corpo de Bombeiros em 800 mil. Diabos! Afinal quantas pessoas estavam no evento? Será que algum repórter, ou mesmo o Ricardo Kostcho, poderia dizer o número exatamente?
Outro episódio curioso se passou comigo em Madri. Nas primeiras eleições após a morte de Franco, fui com meu amigo Pepe Fajardo, da Cambio 16, cobrir o encerramento da campanha da direita franquista na Plaza Real. Fiquei apavorado! A praça toda estava repleta de gente. Muita gente.
Comentei com o Pepe. Ele sorriu da minha apreensão. O que eu ia dizer, que o franquismo ainda arrebatava multidões?
- Nunzio, escreva assim: A praça estava lotada, todos os franquistas estavam nela.
Provavelmente os seguidores do caudilho sanguinário iriam se revoltar comigo se pudessem ler, afinal, o que eu escrevi. Exatamente o que o Pepe havia sugerido. Mas honestamente eu não estava preocupado com isso. Mas, que não era verdade, não era, claro.
A informação é dinâmica, precisa de um vetor humano para ser transmitida. Afinal, os jornais ainda são feitos por seres humanos, embora haja controvérsias. Límpida e cristalina ela só vai se cristalizar na cabeça dos leitores, quando confrontada e cristalizada com diversas versões em diversos veículos.
Campos do Jordao: frio desgraçado, mas sem neve
Tenho uma outra historinha bem divertida para concluir este post e reafirmar minha teoria. Era eu um flamante repórter do Diário Popular, o velho jornal da rua do Carmo, quando chegou a informação de que haveria uma nevasca tremenda em Campos do Jordão, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo.
O chefe de reportagem me mandou para lá com a missão de dormir no carro e cobrir a nevasca pela manhã. Munimos-nos de cobertores e de uma garrafa de Old Eight para enfrentar a madrugada naquele fusca azulão do jornal.
Fez um frio desgraçado. Mas, decididamente não nevou.
Virei a matéria para produtores agrícolas da Mantiqueira comemoram o fato de não ter nevado.
Quando entreguei a matéria para o saudoso Mário Romano, editor do jornal, ele me olhou de soslaio e disse:
- Você ficou louco? A Globo disse no Jornal Hoje que foi a maior nevasca de todos os tempos.
- Romano, eu virei a serra de cabeça para baixo. Não nevou.
- Nunzio, se vira. Não vou desmentir a Globo.
E agora? Rolei uma lauda na máquina de escrever. Tomei um gole de café. E vamos lá.
“Foi uma madrugada controvertida. Para alguns a pior nevasca dos últimos anos. Para outros, apenas uma geada. Para os produtores agrícolas da Mantiqueira, nem isso. O certo é que não foram registrados prejuízos nas plantações e a vida segue normal na bucólica Campos do Jordão”.
O Romano riu muito. Rasgou uma foto do Zé Ribeiro, sem neve, que estampava o sorriso de um produtor rural e soltou aquele grito gutural: “Desce!.....”

2 comentários:

  1. Maravilhas de histórias. Como sempre.

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  2. Oi Nunzio,
    concordo com você, mas muitas pessoas que não são jornalistas pensam que se saiu na imprensa, é verdade. Só escrevi para explicar isto.
    Um beijo grande, contador de histórias!

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