terça-feira, 26 de outubro de 2010

De Nápoles ao Brás o percurso da pizza

Pizza autentica: sem queijo, com anchovas, alfavaca e molho de tomate
Saiu publicado na competente revista Língua Portuguesa que a pizza pode ter nascido em terras teutônicas. E como o assunto parece polêmico, vou entrar nesta seara. Há mesmo várias versões. Há quem diga que foram os alemães, outros os chineses, outros os árabes que aprenderam a lidar com a fermentação. A minha versão pode não ser definitiva, mas como dizem os meus patrícios peninsulares, “si non é vero, é bene trovato!”
A origem da pizza está relacionada à volta das legiões romanas da Palestina. Entre outras coisas, eles trouxeram para Roma aquele pão ázimo, sem fermento e sem gosto, tão comum na mesa hebréia. Na Urbi, o genial Apícius, primeira criatura a escrever um livro de gastronomia, colocou sal marinho, rosmarino (alecrim) e azeite de oliva. E serviu como abridor de paladar.
Antes que me acusem de bairrismo, convém lembrar que os romanos foram os primeiros a dar importância a esta história de comer e passar bem. Passaram a tirar as penas das aves antes de devorá-las, eliminar as vísceras e a pele dos pequenos animais, a armazenar a carne em embutidos defumados. Foram também eles que descobriram que a ingestão de água mineral pura e sulfurada ajudava na digestão entre outras coisas. Quem já viajou a Roma deve lembrar-se que há fonte de água mineral em praticamente cada esquina.
Mas, voltamos: o pão judeu chegou a Roma com o nome de pitzel. Não é difícil imaginar que esta pronúncia acabou deformada para pizza.
Entre Apícius e Colombo passaram-se pelo menos 1,5 mil anos. Mas, foi com a chegada do tomate na Espanha que a história da pizza começa a se movimentar. O sucesso do fruto centro-americano foi tremendo, ainda que os espanhóis, ávidos por lucro, não tivessem paciência para aguardar pelo seu amadurecimento.
No século XVII, uma verdadeira diarréia epidêmica tomou conta de toda a Espanha, o que levou a Casa Real a proibir o consumo e a importação do tomate.
Alguns marinheiros, entretanto, inconformados, decidiram contrabandear não só o fruto como as sementes para a colônia espanhola de Nápoles. Lá, em terras vulcânicas, no sopé do Vesúvio, com o sol meridional, o pomodoro (fruto de ouro) ficou vermelho e maduro.
A cozinha napolitana soube muito bem criar receitas extraordinárias para os tomates que vicejaram com vigor em suas terras.
Coube a um padeiro abrir a massa fermentada em forma de disco e espalhar sobre ela o sumo do tomate cozido e amassado no garfo, antes de assá-la.
Mas, a obra ainda não estava concluída. Alguém teve a brilhante idéia de colocar restos de peixe salgado, com folhas de alfavaca e azeite de oliva. Assim, no final do século XVIII, nasceu a primeira pizza, de alici.
Foi preciso mais um século para que a pizza conhecesse sua metade mussarela. Na verdade este queijo não existia naquela época. Um outro padeiro decidiu, ao invés de peixe salgado, dispor fatias generosas de queijo caccia-cavalo (aquele queijo em formato de oito que tem manteiga dentro) e no lugar da alfavaca, singelas folhas de orégano.
Pizza do Babbo: inconfundível
Mas, o episódio mais marcante, que tornaria a pizza popular em toda a Itália, ocorreu apenas no final do século XIX. O rei Vitório Emanuel, da casa de Savoya, de Turim, visitava o seu reino em companhia da rainha Margarida. E claro, quiseram conhecer a tal iguaria napolitana, tão cantada e decantada.
O pizzaiolo (já não era mais o padeiro) que a história não registrou o nome, republicano garibaldino, decidiu aprontar. Fez a pizza com muito molho de tomate (vermelho), queijo caccia-cavalo (branco) e dispôs muitas folhas de basilicão (verde), as três cores da bandeira republicana italiana.
Ao contrário do que se pode imaginar, Vitorio Emanuel e Margarida não perceberam a sutileza. Ao contrário, encomendaram dezenas de pizzas que levaram para todo o reino. Isso explica porque cada região da Itália apresenta uma pizza de forma diferente: a romana é muito fina, a toscana é um pouco mais grossa, a siciliana e a veneta são bem grossas e assim por diante. Na Reggio-Calábria inovou-se com a aplicação de folhas de escarola refogadas com alho e azeitonas, sem queijo. O que também se tornou um clássico.

Como a pizza chegou ao Brasil

Castelões: competencia secular
Não resta nenhuma dúvida que São Paulo é a terra da pizza. Não há padaria que não tenha uma pizza crepitando no balcão e, certamente, nenhum lugar do mundo tem tantas pizzarias como lá na paulicéia. Mas, como isso começou?
O mérito todo é de um mestre-padeiro espanhol chamado Valentim Ruiz e de um aprendiz italiano, toscano na verdade, chamado Giovanni Tuzzatto. Os dois, muito amigos, trabalhavam na Padaria e Confeitaria Guarany, na esquina da rua do Hypodrommo, com avenida Celso Garcia, na segunda metade dos anos 20.
Viviam surpreendendo a clientela do Brás com guloseimas extraordinárias: canoli, sogni da crema, sfogliatellas e assim por diante. Até que o proprietário encomendou um appetizer que pudesse acompanhar o chá das senhoras, no salão da confeitaria, no final da tarde.
Decidiram então assar alguns discos e servir quente aos pedaços. Foi um sucesso retumbante.
Logo se formavam filas no balcão à espera dos discos quentes que eram servidos aos pedaços sobre finas folhas de papel manteiga.
O sucesso foi tanto que alguns rapazes que mantinham uma agremiação futebolística, chamada Castelões, e estavam com problemas para comprar novos uniformes, decidiram propor a Valentim e Giovanni assar uns discos em uma garagem, numa travessa da rua do Gasômetro, no sábado. O lucro da empreitada serviria para comprar camisas, calções e meias daquele leão da várzea.
Os dois toparam. Não é preciso dizer que o sucesso foi imenso, ainda mais porque os dois improvisaram um forno de lenha com tijolos e o sabor da pizza ainda se realçara mais. Decidiram repetir no próximo sábado e assim nasceu a primeira pizzaria de São Paulo, a Castelões, que ainda existe, e de quebra o hábito de comer pizza nas noites de sábado.
Nos anos 30 e 40, várias famílias decidiram reeditar o feito de Valentim e Giovanni. Nasceram assim a Esperanza, na Bela Vista, o Romanatto, na Mooca, e tantas outras.
Os filhos de Giovanni Tuzzatto ainda criariam no final do século passado a pizzaria Babo Giovanni, em homenagem ao pai, na rua Bela Cintra, a melhor que eu conheci.
(Ah, Coca! Você que agora assa discos no paraíso, saiba que todos nós apreciadores da verdadeira pizza e seus amigos, estamos com muitas, mas muitas saudades).            

2 comentários:

  1. Pino Cimo, um amigo italiano, o mais cetico dos ceticos que conheço, ficou inconformado o dia que lhe disse que o prato tipico de SãoPaulo eh a pizza. Não bastaram meus 1267 argumentos e todas as cenas que ele viu naquele fim de semana. Na segunda feira, ele começou a preparar uma materia sobre o "fenomeno" que s surpreendeu e depois de muita pesquisa, degustações e conversas, descobriu que em São Paulo se come mais pizza que em toda Italia.
    Um mes depois disso, recebi uma revista com a materia de Pino:
    " San Paolo, la Reggina della Pizza nel Mondo"

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  2. Pai, chega de falar, vamos logo comer pizza!!!

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