quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Um homem à frente do seu tempo

Richard Francis Burton: pensador e aventureiro vitoriano 
Na galeria dos meus heróis preferidos, o lugar de destaque é de um aventureiro inglês do século XIX chamado Richard Francis Burton. Por quê? Apenas para parodiar sua esposa Isabel Arundell, porque “quem em sã consciência não gostaria de ser Richard Francis Burton”?
Como um simples oficial do exército colonial na Índia, Burton fez uma aventura que iria marcar toda a sua vida. Poliglota, falava mais de 28 línguas e cerca de 40 dialetos, traduziu para o inglês o Kama Sutra, Os Contos das Mil e Uma Noites e Os Lusíadas, entre outras obras. De sua lavra saíram ainda trabalhos tão díspares como manuais de utilização do sabre, um guia sobre a prostituição no Cairo, até duas reportagens, extraordinárias, uma Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho e Viagem de canoa de Sabará ao Oceano Atlântico. Ambas escritas originalmente em português e disponíveis na livraria do Senado Federal, www.senado.gov.br .
Um terceiro livro, Cartas dos campos de batalha do Paraguai, foi escrito originalmente em inglês e sua tradução está disponível na Biblioteca do Exercito, www.bibliex.com.br.
Burton foi o primeiro ocidental a peregrinar para Meca, travestido de peregrino afegão. Ele conta esta aventura em um livro que não tem tradução em português, A secret pilgrimage to Mecca and Medina, disponível no site www.abebooks.co.uk .
Para quem quer conhecer uma síntese geral das suas aventuras, recomendo a biografia escrita por Edward Rice, Sir Richard Francis Burton, publicada no Brasil pela Companhia das Letras.
Burton veio ao Brasil depois da morte de John Hanning Speke, seu parceiro na aventura pelo descobrimento das nascentes do Nilo, no episódio batizado de Nas Montanhas da Lua. Há um filme maravilhoso que descreve estas peripécias, mas não há cópias disponíveis.
Burton contestou veementemente na Royal Society Geographic a descoberta de Speke, com uma argumentação tão precisa que o levou ao suicídio. O pior é que Speke tinha razão. Na Inglaterra vitoriana isso equivaleria ao mais alto pecado intelectual.
Foi preciso que Isabel Arundell se valesse de toda sua habilidade política (Burton não tinha nenhuma) para conseguir um posto para o marido fora da Grã Bretanha. E o único disponível era o de cônsul em Santos.
-         What can I do in the wrong side of the world?
Esta pergunta sintetiza bem o espírito que o trouxe ao Brasil.
Ele nunca morou em Santos. Na verdade morou em São Paulo, na esquina da rua Tabatinguera com rua do Carmo. E odiou, a exemplo de outros viajantes britânicos, como Darwin, sua passagem por aqui. Até seu casamento foi profundamente abalado.
Tudo por conta da escravidão. Burton tinha ojeriza total a esta instituição. De tal sorte que quando descobriu que Isabel havia comprado um menino negro para ajudá-la na gestão da casa, saiu para uma imensa viagem, a pé, até as ruínas de Machu Pichu, no Peru.
Burton e Isabel em Triste: prêmio foi o exilio na Itália
Em 1869, Burton conseguiria voltar para o mundo árabe, tendo sido nomeado para o consulado em Damasco. E, em 1886, ele recebeu da rainha Vitória o título de Sir. Mas, não se pode dizer que a Inglaterra vitoriana o tinha como herói. Na verdade, ele não escondia suas críticas à postura britânica em suas colônias.
Acredito que este tipo de crítica os ingleses podiam até suportar. Mas, em seu Ensaio Final, Burton apresentou a história, os princípios, a cultura e os costumes de uma série de civilizações, associou a religião à sexualidade e fez uma serie de paralelos, além de defender a naturalidade da homossexualidade.
Há quem diga que a Torre de Londres não caiu por muito pouco. E Burton foi “premiado”com um obscuro consulado em Trieste, na Itália, onde faleceu em 20 de outubro de 1890, exatos 120 anos atrás.
Apavorada com a morte do marido, Isabel chamou um padre (o que não é difícil na Itália) e queimou todo o acervo de Burton, notas, diários e documentos que ele acumulou por mais de 40 anos. Uma desgraça.
Os dois estão enterrados em Mortlake, na Inglaterra, em uma tumba que tem o formato de uma tenda árabe.
Sir Richard seguramente era um homem que estava avançado em seu tempo.


Um comentário:

  1. figuraça, esse Richard Burton.
    precursor da globalização cultural da humanidade, profeta hedonista.

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