quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Um momento de saudade!

Bairro industrial: tipica construção de fábrica na Mooca, hoje abandonada
O mundo segue mudando a uma velocidade espantosa. Não sou daqueles saudosistas, acho que o novo é sempre melhor, o futuro é um desafio, etc... Mas, me bateu uma saudade danada do meu bairro, a Mooca, ao deparar com um anúncio na Folha, de um notável empreendimento imobiliário exatamente no local onde funcionou durante quase um século a Companhia União dos Refinadores.
Alguém já havia me dito que a Mooca havia se tornado cult. Refinada. Apartamentos de um e até dois milhões de dólares. Butiques sofisticadas, restaurantes badalados...que coisa!
Nossa! A primeira lembrança que me vem da Mooca era o perfume, o cheiro quente e vespertino de biscoitos assando. Eram as fábricas de bolachas, como a gente dizia. Depois a revoada dos pardais e das andorinhas que faziam um barulho ensurdecedor no final do dia. As folhas dos carvalhos amontoadas no chão e o vento da tarde que os esparramava. 
Igreja São Rafael: Ave Maria vespertina
A Mooca era um bairro industrial. Tinha chaminés e sirenes que tocavam às 17h30. Às 18h,  o padre Mário, da Paróquia de São Rafael, colocava no sistema de alto-falantes da igreja, no último volume, o som da Ave Maria, na voz potente de Beniamino Giglio. Os operários saíam das fábricas, subiam a Rua Guaratinguetá, numa caminhada silenciosa. 
Pouco depois, o ônibus vermelho que transportava as funcionárias da Duchen (que se mudara para Guarulhos) apontava na rua Leocádia Cintra. Uma vez por semana, ele parava na porta da casa da Dona Ana (minha bisavó). Era para lhe entregar um pacote de biscoitos rejeitados (quebrados ou deformados).

Dona Ana e seu bisneto Nunzio: 1952

Dona Ana se aposentou depois de mais de 40 anos de trabalho na fábrica e era tão respeitada que as jovens funcionárias, às vezes, desciam para cumprimentá-la respeitosamente. Ela não faltava com educação, mas parecia incomodada com isso.
Por volta das sete horas, já surgiam as cadeiras na calçada. O som da louça do jantar na pia. A conversa corria solta e animada. Jogava-se “punha”, “escopa”, dominó.
Às oito horas parecia combinado: tudo se desfazia. Todos entravam e iam ouvir o rádio. Ainda me lembro do potente Grundig do meu tio Michele e o indefectível programa “Página Lírica”, da Rádio Gazeta.
Quando fui para a escola, no glorioso Grupo Escolar Oswaldo Cruz, na rua da Mooca, entendi que a língua de casa e da rua não eram bem a que as pessoas costumavam falar. No final da aula, saímos em fila, absolutamente comportados. Mães se acotovelavam no portão. Havia um guarda civil que atravessava a todos e parava o trânsito.
O Sêo Nunzio, meu pai, me esperava na calçada defronte. É que a loja da fábrica de brinquedos dele era justamente em frente à escola. No posto de gasolina Texaco, ao lado, saía uma provocação que o fazia ainda mais orgulhoso:
- Anche questo caminare! (Até o jeito de caminhar)
A Mooca era bucólica. Hoje, olhando pelo retrovisor da história, parece que era um mundo dentro de outro mundo.
O Dr. Ciro e o Dr. Pinkus, médicos que atendiam a todos. Um cirurgião-clínico geral e outro pediatra. O Sêo Zé da Farmácia, da Farmácia Roma, mais tarde presidente do glorioso Clube Atlético Juventus. A Pizzaria Bimbar, o Di Cunto, a famosa esquina da rua Taquari com a Avenida Paes de Barros.
Taquari com Paes de Barros: esquina historica
Aliás, este é um sítio histórico que não existe mais. A ampliação da Paes de Barros matou aquela esquina. Mas, foi ali, junto do Cotonifício Crespi, que o cavaleiro da Esperança, Luis Carlos Prestes, encerrou sua campanha para o Senado Federal, em 1946.
Quando Prestes voltou do exílio, em 1979, tive o privilégio de entrevistá-lo em uma coletiva na Assembléia Legislativa de São Paulo. E lhe perguntei:
- Senhor Prestes, como devemos tratá-lo?
- Como senador por São Paulo, o último cargo que disputei e ocupei na Constituinte de 1946.
Ai vale uma dica: o notável filme do meu amigo Toni Venturi, O Velho, disponível em locadoras e lojas especializadas. Um documentário notável, feito com a sensibilidade que uma figura como Prestes sem dúvida merece.

Um comentário:

  1. A Mooca eh uma planeta a parte dentro de São Paulo. Nada eh comparavel a Vecchia Mooca, matriz linguistica do monstro paulistano, resumo da cidade, usina dos sabores da memoria.

    ResponderExcluir