sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Um mundo de "tranquilidade"

Estopim da crise: o assassinato de Franz Ferdinand e Sofia em junho de 1914
Ainda outro dia me dei conta que, em agosto de 2014, a humanidade comemora a trágica efeméride da I Guerra Mundial, ou a Grande Guerra como foi chamada, primeiro marco de um século sangrento como foi o século XX.
Alguns historiadores preferem definir que, na verdade, não houve duas guerras mundiais no século passado, mas uma só em dois episódios. Ainda que a segunda tenha sido abrilhantada pela faceta obscura e ridícula do fascismo. Em termos históricos, pode-se mesmo identificar pontos comuns entre os dois conflitos, mas, sob um olhar mais apurado, as diferenças e o estilo são tamanhos que parece mais procedente imaginar que a primeira ainda é um resquício do século XIX.
E se a segunda tem motivações bastante claras, notadamente políticas e ideológicas, a primeira desafia o bom senso.
Diz a história mais ou menos oficial que o mundo vivia em absoluta tranqüilidade quando foi despertado pelos canhões alemães em Luxemburgo. Os relatos são impressionantes. Jornalistas franceses, austríacos, ingleses garantiam que com relativa prosperidade não havia motivos para a guerra. Pois sim!
Gavrilo Princip: o autor do atentado
Toda a vilania fica centrada em um estudante sérvio, Gavrilo Princip, de um grupo anarquista chamado Mão Negra, que assassinou, assim não mais, o arquiduque Franz Ferdinand e sua esposa Sofia, em visita a Sarajevo. Aí a Áustria se irritou com a Sérvia e mobilizou suas tropas para a fronteira. Os franceses tinham um acordo diplomático de proteção aos sérvios. Os alemães eram uma espécie de cão de guarda da casa de Habsburgo em Viena. E ninguém menos que o tzar Nicolau II, mobilizou suas tropas para defender a França. Estava feita a porcaria.
Esta justificativa simplista não encontra, entretanto, eco na realidade. Pois vejamos: os austríacos ainda estavam inconformados com a perda de suas províncias italianas, notadamente o Friuli, o Veneto e parte da Lombardia. Sem saída para o Adriático, passaram a pressionar a Bósnia, a Herzegovina e a Sérvia. Os Habsburgo sabiam que sem uma saída para o mar, assistiriam impassíveis a decadência do seu poder secular.
A Rússia estava envolvida em sérios problemas. Havia tomado um chocolate na guerra com o Japão pelo poder do porto de Vladivostok, em 1908. Estava as voltas com uma intolerância das chamadas elites com os judeus, principalmente na Ucrânia, a quem atribuíam as idéias de confrontação com o poder de São Petersburgo. Além disso, ficava patente que o absolutismo tzarista não controlaria as insurgências operárias.
Guilherme II: recalque alemão
Os franceses ainda estavam com a cabeça inchada depois que as botas alemãs, em 1870. marcharam sobre Paris, derrubaram o imperador Napoleão III, e permitiram que surgisse uma república sem expressão diplomática.
Os alemães, por sua vez, sob o comando do Kaiser Guilherme II, sobrinho da rainha Vitória, não conseguia conter o seu complexo de inferioridade. Ele não suportava a idéia de que Berlim não desfrutava dos prestígio e do charme de Paris. Não tolerava a sombra do chanceler Bismarck.
Este clima “tranqüilo” ainda era ponteado por dois confrontos regionais, além da guerra Rússia-Japão: a guerra dos Boers, na África do Sul, e a revolta dos boxers, na China. No Oriente Médio, os turcos simplesmente tomaram toda a região do Levante e chegaram à margem direita do Canal de Suez, não sem antes barbarizar todas as tribos árabes que encontraram pela frente. E para que ninguém imagine que o Brasil era uma ilha de paz, marcada pelo caráter pacífico dos brasileiros, o país estava lavado de sangue por Canudos, na Bahia. e pelo Contestado, em Santa Catarina. O México já experimentava sua revolução. E os americanos depois de se matarem na Guerra Civil, não satisfeitos, tinham feito uma incursão militar contra os espanhóis em Cuba e ao mesmo tempo em que mutilavam o território colombiano para construir o Canal do Panamá, simplesmente dizimavam suas populações indígenas.
Fica difícil imaginar que um cidadão da Europa pudesse dar a volta ao mundo, como diz a crônica da época, portando apenas um cartão de visitas.

No próximo post vou contar como os militares franceses e alemães começaram a se preparar para a guerra desde 1908.

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